sábado, 10 de abril de 2010

LULA E HADDAD FESTEJAM A MISÉRIA DO ENSINO BRASILEIRO

ARTIGO DE PAULO GHIRALDELLI JR.

"A política do piso salarial foi um erro desde o seu início. Um erro de concepção, de estratégia e de perspectiva. Sua concepção é equivocada porque ela trata de modo homogêneo um Brasil heterogêneo"

Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo, escritor, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

Em entrevista à Rede Bandeirantes de TV, Lula mostrou uma série de ganhos inegáveis de seu governo. A entrevista deve ser guardada por todo aquele que é fã do presidente; ele realmente estava em um de seus melhores momentos. Inteligente e bem informado, Lula quase me fez esquecer a participação do PT no "mensalão", iniciado pelo know how do "mensalinho" do PSDB do senador Azeredo, aquele que introduziu Marcos Valério no meio político.

Lula disse verdades e, no campo educacional, mencionou a palavra "ironia" para lembrar que ele, sem formação universitária, foi o presidente que mais criou vagas no ensino superior público.

No entanto, ao tentar descer ao campo mais específico, já em outro episódio, o de seu fala na Conferência Nacional de Educação (Conae), o que ele acabou revelando foi bem menos alvissareiro que aquilo que apresentou na Bandeirantes. Ele nos deixou ver que um presidente informado e inteligente não é o suficiente para o Brasil. Um presidente precisa ler determinados assuntos com olhos críticos. Lula tem sensibilidade que outros presidentes realmente não tiveram, e que candidatos atuais parecem não ter. Mas falta-lhe capacidade crítica em vários campos.

Deixar a educação nas mãos de técnicos ou, até pior, de políticos pseudo-técnicos, não é uma boa coisa. É um erro que FHC cometeu e que Serra vem cometendo. É o erro que Lula imitou. No caso de Lula, esse tropeço aparece na sua crença de que Fernando Haddad é um técnico em educação e que tem equipe, e que formulou boas políticas para a área, em especial a política do piso salarial.

A política do piso salarial foi um erro desde o seu início. Um erro de concepção, de estratégia e de perspectiva. Sua concepção é equivocada porque ela trata de modo homogêneo um Brasil heterogêneo. Sua estratégia foi um erro porque foi lançada de modo autoritário, sem uma discussão séria com os envolvidos que iriam ter de pagar o piso, ou seja, governadores e prefeitos. Sua perspectiva é mesquinha, pois não considerou seriamente as necessidades dos professores enquanto agentes sociais de um Brasil carente no campo cultural.

Os dois primeiros erros se explicam por si só. A essa altura estão evidentes. Por causa deles, o piso não saiu do papel. O terceiro erro é o que eu explico aqui. Esse erro tem a ver com incapacidade do Partido dos Trabalhadores de compreender o que é um trabalhador da educação. Isso é grave, pois se o partido que leva o nome de "dos Trabalhadores" não sabe o que é um trabalhador, o partido que leva o nome de "Social Democrata" e não é social-democrata, pode então até se desincumbir de entender do assunto - o que de fato é o que FHC e Serra fizeram.

O erro de perspectiva não vê que, diferentemente de um trabalhador de outros setores, a melhoria da competência de um professor ou mesmo a sua atualização necessária diante dos avanços de sua área não se faz por meio da atuação de seu empregador, mas se faz a partir do salário do próprio trabalhador. Em suma: um bancário se atualiza por meio do que o banco lhe dá e um operário da linha de montagem de automóveis faz o mesmo, mas um professor, que precisa assinar revistas, comprar livros, ir ao cinema e ao teatro, manter seu computador com internet funcionando e fazer cursos, tira tudo isso de seu salário.

Ou seja, o professor não tem o salário comprometido somente com o seu transporte, alimentação, escola dos filhos e aluguel, ele tem seu salário envolvido com outras atividades. No caso dele, essas outras atividades não configuram lazer, mas uma agenda de capacitação para que o ensino brasileiro público continue funcionando segundo o ritmo normal da evolução social.

Assim, quando se coloca no papel, na ponta do lápis, os gastos mensais do professor, o que se vê é que o piso salarial de 1.024 reais, proposto por Haddad, não é condizente com a euforia com que ele e Lula anunciam tal coisa. Eles fazem política sorrateira dizendo que os estados não querem pagar esse salário. Mas, infelizmente, esse discurso apenas festeja a miséria.

O salário do professor, básico, não poderia ser menor que 2.500 reais. Aliás, o salário que o governo federal paga, em suas escolas técnicas, é maior que 2.500 reais. E as escolas técnicas federais possuem alunos que são os melhores do país, inclusive superiores do que os das melhores escolas particulares dos grandes centros - isso ficou atestado em todos os exames nacionais e internacionais dos últimos anos.

O governo possui o modelo que funciona. Mas, para os estados, faz a sugestão da miséria e, diante de algo não pactuado e não estudado junto a governadores e prefeitos, pode acusar estes de não quererem pagar o piso. Assim, gerando confusão e não política educacional séria, o governo, com Lula e Haddad à frente, aparece para posar de herói da educação em uma história trágica.

Diante da incapacidade dos estados de fazer a coisa certa, Haddad e Lula, no governo, agem como sindicalistas, chegando até a incitar a greve dos professores nos estados. Sugerem o nada e cobram os que fazem menos que o nada para, então, de capa e espada, darem uma de Zorro em defesa dos professores. Haddad e Lula deveriam de se envergonhar por fazerem festa em sala de velório. Mas fazem.

Mecanismos como o Fundeb e outros e, inclusive, o fim da possibilidade do governo de assaltar o orçamento do MEC, podiam servir para, por meio de convênios, se dar início a um tipo de federalização do ensino básico público brasileiro. Com isso, a proposta de um piso reajustável em um prazo curto, determinado, para se ter os 2.500 reais necessários, seria facilmente alcançado.

Há estados que, sozinhos, podem fazer isso. Há estados que, com ajuda federal, também podem, por meio de política planejada, chegar a tal meta. Mas isso não interessa aos vingadores Lula e Haddad. Eles estão encantados com a imagem que fazem de si mesmos diante da aprovação popular do primeiro. Assim, podem se mostrar como são: um presidente que nada entende de educação guiado por um ministro cujos interesses são antes aliados ao setor privado que às questões públicas, e que também tem lá sua dificuldade na área pedagógica.

Fonte:Jornal da Ciência - 09 de abril de 2010

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