segunda-feira, 15 de março de 2010

Maioria das escolas sufoca criatividade, diz coordenadora da Febrace

Desirèe Luíse
A 8ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) terminou nesta quinta-feira (11/3) em São Paulo (SP), após expor 280 projetos desenvolvidos por alunos de ensino fundamental, médio e técnico de escolas públicas e privadas do país. Durante o evento, a coordenadora geral da Febrace, Roseli de Deus Lopes, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), alertou para o modelo de escola atual, que não tem estimulado os alunos à inovação.
Em entrevista ao Portal Aprendiz, Roseli ainda explicou que no Brasil houve um forte movimento de feiras de ciência nas décadas de 1960 e 70, o que propiciou trocas de informação e incentivo à criatividade, mas que não prosseguiu com intensidade.

Aprendiz – Qual é o papel da Febrace?

Roseli de Deus Lopes – Esperamos que a Febrace seja uma provocadora para uma mudança de mentalidade. É importante desenvolver a capacidade de observação dos jovens, de identificar problemas e acreditar que podem buscar soluções.

Aprendiz – Qual é sua avaliação sobre o incentivo dado pelas escolas para o surgimento de novas ideias?

Roseli – Temos desde escolas preocupadas, querendo fazer, que às vezes não têm metodologia ainda, até escolas que não sabem o que é isso. Às vezes, o aluno vem para a Febrace desacreditado, mas ele acredita nele mesmo. Então, se ele tem um reconhecimento, seja da imprensa ou de entidades, quando volta, pode conseguir mudar a realidade da escola e dos colegas. Pode ser mensageiro e começar um movimento.

Aprendiz – A falta de estímulo para os jovens produzirem coisas novas está relacionada com o modelo de escola que temos?

Roseli – A maioria das escolas tem sufocado a criatividade das pessoas. Não existe uma receita para mudar isso. Estamos aprendendo a viver neste novo milênio. Muitas pessoas falam: “mas a escola que eu frequentei agia de determinada forma e eu estou aqui, deu certo para mim”. Porém o mundo mudou. O mercado de trabalho é outro, tem todo esse ambiente conectado. Se você pega uma criança que está exposta à televisão e Internet, há uma série de estímulos que são diferentes do que quando eu era criança, por exemplo. A escola precisa mudar estratégias. A própria televisão ainda não foi incorporada dentro da instituição como uma coisa que poderia ser explorada a favor da educação.

Aprendiz –
De que forma isso poderia ser feito?

Roseli – A novela que o professor sabe que a criança assiste poderia ser usada para exemplificar situações, poderia discutir questões sociais de comportamento. A escola precisa acordar para ver o que tem do lado de fora, o que tem dentro da casa das pessoas, a cultura que está ali. É uma tarefa difícil, pois a escola que o professor frequentou não o preparou e esse problema ocorre em todas as esferas, da educação básica até a universidade. Só vamos conseguir mudar se trocarmos mais intensamente as experiências, não só de sucesso, mas de insucesso, discutir as angústias e dificuldades.

Aprendiz – Qual seria o passo a seguir nessa direção?

Roseli – Colocar a Internet dentro das escolas é um caminho. Sou dessa área de meios eletrônicos e interativos. Acredito muito que essa janela de comunicação que está chegando às escolas pode ser a forma do professor não ficar sozinho. A partir do momento que ele pode participar de alguma rede social em algum tipo de temática pode descobrir como tornar a escola mais interessante, como trazer mais temas do cotidiano da criança e como dar mais voz para o aluno. É um processo que eu não acredito que aconteça de cima para baixo, mas ao contrário. Deve ir contagiando os professores, trocando experiências, usando Internet e material impresso. Temos que diversificar.

Aprendiz – Os projetos relacionados ao meio ambiente somaram um terço da feira. Por quê?

Roseli – Nessa faixa etária os jovens são muito altruístas, estão preocupados com as pessoas e com o planeta. No momento há uma tendência mundial de se discutir o assunto do meio ambiente, mas o bacana é que eles não fazem coisas impossíveis, identificam questões que estão ao alcance deles. Observamos que é muito comum a preocupação social entre eles.

Aprendiz – Acredita na potencialidade da ação local?

Roseli – Com certeza. Aqui [na Febrace] você vai encontrar algumas coisas que são reinvenções. Por exemplo, o caso da composteira. Apesar de não ser um tema original, você não vê ele aplicado nas escolas, nas empresas e nas casas. Então, na hora que um estudante traz uma forma original de abordar o tema, ele entende aquilo profundamente e desenvolve uma estratégia de como aplicar na localidade dele.

Aprendiz – Então, projetos acabam se concretizando?

Roseli – Temos projetos que acabaram conseguindo limpar um córrego da região usando uma estratégia, ou melhorar questões de irrigação. Por isso, incentivamos que as escolas façam mostras com esse mesmo espírito, para compartilhar a inteligência desses jovens com a comunidade. Assim, os caminhos para a aplicabilidade acabam se concretizando. Uma empresa pequena da região pode querer patrocinar. Antigamente tivemos um movimento de feira de ciências, nas décadas de 1960 e 70, mas as feiras começaram a ficar repetitivas. Todo o ano eram expostos vulcões soltando fumaça. Transformou-se em pirotecnia ao longo dos anos e passou a valorizar o que era superficial. A melhor solução é aquela que pode ser simples, barata e que você consegue viabilizar.
Fonte:  http://aprendiz.uol.com.br/content/vefritevic.mmp



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